Ao contrário do que supõe Fernando Haddad, só o Bitcoin pode trazer soberania monetária para a América Latina.

[artigo publicano no Blocktrends]

A julgar por seu comentário nas redes sociais, Fernando Haddad não gostou de quando El Salvador adotou o Bitcoin como moeda oficial em setembro de 2021:

Este comentário é curioso por vários motivos. Ele parece lamentar quando país perde “a soberania sobre suas moedas”, mas El Salvador, antes de adotar o Bitcoin, já tinha perdido a soberania monetária quando adotou o dólar americano há mais de uma década, em 2001, quando a própria moeda salvadorenha colapsou por causa da inflação.

Então, foi o oposto. Quando os salvadorenhos optaram por usar o Bitcoin e não o dólar como moeda, recuperaram a soberania monetária e não abdicaram dela. Eles adotam uma moeda forte, neutra e global que não precisa de um terceiro intermediário para guardar ou trocar. Uma moeda cuja emissão é controlada e auditável por qualquer um. Quando qualquer pessoa adota o Bitcoin ela opta por não ficar mais submissa à política monetária do banco central norte-americano, o FED, nem de qualquer outro banco central do mundo. Se alguém acredita que é importante que as pessoas tenham soberania sobre sua própria moeda, deveria celebrar o uso do Bitcoin e não lamentar.

Haddad já não sabia que a economia salvadorenha era dolarizada? Ou simplesmente usou El Salvador como pretexto para falar que os Estados Unidos teria algum plano secreto para dolarizar a América Latina inteira e que só “um Brasil insubmisso” pode refrear esta tendência?

Só começamos a entender este comentário paradoxal se olharmos o maior projeto político que ele guarda debaixo da manga. No começo deste ano, Fernando Haddad e Gabriel Galípolo, que será seu secretário-executivo no Ministério da Economia, publicaram um artigo na Folha de São Paulo defendendo a criação de uma moeda digital única latino-americana chamada SUR, que seria emitida por um Banco Central Sul-Americano.

De acordo com o projeto da dupla, este novo banco central seria fundado com recursos advindos das próprias reservas internacionais dos países membros e/ou “com uma taxa sobre as exportações dos países para fora da região”. As diferenças econômicas entre os países sul-americanos não seriam um problema, pois além de um novo banco central, também seria fundada outra entidade, uma câmara de compensação para realizar “ajustes simétricos entre países superavitários e deficitários”. Se a moeda se enfraquecer demais e não prosperar, também não haveria nenhum problema, pois eles propõem “mecanismos e taxas para desincentivar” ataques especulativos à moeda, sem especificar como essas taxas e mecanismos funcionariam.  

Teoricamente o novo SUR digital serviria para ampliar a soberania monetária dos países sul-americanos que estariam sofrendo com a ameaça iminente de serem dolarizados. Mas esse certamente não é o problema da América do Sul, uma região fértil de inflação alta, hiperinflação e irresponsabilidade fiscal generalizada. A recente desvalorização do Euro também nos mostra como é frágil um bloco econômico com uma moeda única mas com regimes fiscais diferentes. Na prática, para o Euro continuar existindo, o Banco Central Europeu precisa constantemente comprar títulos de países deficitários como Itália, Portugal e Espanha. Quando pensamos em uma região como a América Latina, com economias ainda mais díspares, uma união monetária com desunião fiscal seria uma combinação mais explosiva.  

Mesmo com a queda do preço do Bitcoin em 2022, El Salvador se tornou um polo que atrai turistas, empreendedores e novas empresas para lá. Quem visita El Salvador, fica impressionado com a quantidade de jovens e de famílias inteiras que se mudaram para viver sob um padrão monetário novo. Adotar o Bitcoin é apostar em um futuro com mais liberdade, moeda forte e soberania financeira de verdade, muito diferente da centralização bancária, das taxas e dos controles da moeda digital de mais um banco central.

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